9 de fevereiro de 2016

CAIO Fernando Abreu, para sempre na memória dos leitores

Às vésperas de completar 20 anos de morte do autor, a jornalista catarinense Vanessa Souza, mestre em psicanálise com linha de pesquisa em literatura, comenta sobre a importância da obra do escritor gaúcho para a literatura brasileira

Sensível, apaixonado, intenso e único. Ele foi ator, dramaturgo, jornalista e escritor. Inclusive, um dos maiores reprimagem_release_587406esentantes da literatura de sua geração. Enquanto vivo, não vendeu tantos livros e nem era tão conhecido como hoje. As suas frases e pensamentos profundos caíram no gosto de jovens e adultos, que nas redes sociais compartilham incansavelmente trechos da sua obra. Somente em uma conta do twitter são mais de 930 mil seguidores e em uma única página do facebook são mais de 680 mil. Hoje, alguns de seus livros foram traduzidos para as línguas alemã, espanhola, francesa, inglesa, italiana e holandesa. No dia 25 de fevereiro faz 20 anos que Caio Fernando Loureiro de Abreu morreu, por conta do vírus HVI, mas ele nunca esteve tão presente e em todos os lugares como nos tempos atuais. O escritor gaúcho, que nasceu no dia 12 de setembro de 1948, em Santiago do Boqueirão (hoje apenas Santiago), interior do Rio Grande do Sul, e que morreu em Porto Alegre, em 1996, permanece vivo através da sua obra.

“Pouco antes de morrer, semanas antes, o Caio quis passar uns dias em Florianópolis. Tomou banho de mar e foi um dos (ou o) último lugar que visitou quando vivo. Há um outro conto que ele escreveu a partir de uma experiência pessoal em Garopaba, em Santa Catarina, o “Garopaba mon amour”, que está no livro “Pedras de Calcutá”. Ele era da tribo dos escritores que vivia para poder escrever, ele disse isso em várias entrevistas e os estudiosos e amigos apontam isso”, comenta a jornalista catarinense Vanessa Souza, mestre em psicanálise com linha de pesquisa em literatura, com dissertação de mestrado concluída com foco na obra do autor.

“A produção literária de Caio Fernando Abreu é uma reunião de textos que consegue expressar, como poucos, o retrato de uma geração, entre as décadas de 1960 e 1990. As narrativas do escritor mergulham abissalmente na dureza do homem contemporâneo: a solidão e a clausura dos tempos modernos e as fantasias e os sonhos que vão sendo dilacerados, pouco a pouco, nas histórias de personagens marginais: homossexuais, prostitutas, mochileiros, presidiários e pessoas comuns, que vivem no limiar tênue de um cotidiano razoavelmente sadio e com a loucura à espreita. Sobretudo, esse olhar (do escritor, dos personagens) de retinas fatigadas que buscava apenas uma coisa: amor. ‘A gente, quando tenta analisar qualquer problema, sempre vai aprofundando, até que chega nesse fundo que é amor sempre’ (Abreu)”, explica Vanessa.

A jornalista acrescenta que Caio Fernando Abreu foi um crítico que vislumbrou a vivencia de sua geração e também um autor que a soube retratar com propriedade, pois o fez retratando muito de si mesmo. “O reflexo dessa geração, na escrita de Caio, trazia a desesperança e o horror que a população brasileira viveu durante e depois dos anos de chumbo, da ditadura militar. Sua obra é para ser lida por qualquer pessoa de qualquer época. Muito embora o desencontro pungente nos livros de Caio seja o grande estigma de uma geração de sonhos esfacelados e frustrações pontiagudas”, reflete.

Vanessa diz que a temática na obra caioferdiana é muito voltada para o social, pela perspectiva interna, além de mostrar a visão de uma geração que enfrentou uma das épocas de maior tensão e conflito político no Brasil. Onde os personagens do autor são fotografias desse contexto, como seres profundamente marcados pelo vazio, carências, insanidade e por várias nuances de isolamento e marginalidade. Mas que no entanto há sempre a busca de sua identidade e do amor. “Há alguns anos eu entrevistei a maior autora contemporânea brasileira: Adriana Lisboa. Guardem esse nome, tudo o que ela publicou é belo e pungente. Ela me disse que boa literatura não se faz com céu de brigadeiro. Eu poderia responder que Caio fazia isso. Ele tinha o admirável dom de capturar o tempo através da interioridade de seus personagens e de referências musicais, literárias, cinematográficas, etc., através das quais o leitor, além de se situar historicamente, vê-se envolvido por uma atmosfera inebriante que o transporta para aquele momento, fazendo-se participante. O escritor era um grande criador de climas, e fazia isso com maestria através de sua linguagem fortemente imagética e minimalista”, acrescenta a jornalista.

Em uma das entrevistas para a tese de doutorado sobre Caio Fernando Abreu, Vanessa conversou com o ator Marcos Breda, que desabafou: “Doze anos foi o tempo que a Senhora Dona Vida (como ele costumava chamá-la) me concedeu o privilégio de conviver com Caio Fernando Abreu. ‘Um ciclo completo de Júpiter’, diria ele que, além de escritor, era também astrólogo. Júpiter é o planeta que simboliza a expansão, o crescimento e a fé. Caio foi para mim uma espécie de arauto dessa divindade. Mas um arauto travesso, capaz de misturar sua profunda sabedoria com doses generosas de inteligência, erudição e, sobretudo, malícia e bom humor. Caio era / é um dos maiores escritores que o Brasil já teve. E também um das maiores amizades que já cultivei nesta vida. Lembrar dele me faz lembrar também de uma das inúmeras pequenas epifanias que ele escreveu: ‘eu tenho amigos tão preciosos; ninguém sabe, mas eu sou uma pessoa muito rica’”.

Entre as obras mais significativas de Caio Fernando Abreu está o livro Morangos Mofados (1982), o mesmo que Vanessa encontrou há muitos anos na Biblioteca da Universidade Regional de Blumenau. Obra que a fez leitora assídua e pesquisadora dos escritos de Caio Fernando. “Como ficar indiferente a uma pessoa que escreveu textos como: ‘Ficou um silêncio cheio de becos.’ Ou: ‘(…) como é triste lembrar do bonito quando algo ou alguém foi quando esse bonito começa a se deteriorar irremediavelmente.’ E ainda: ‘O que eu não sabia nem poderia saber – em parte porque aos 20 anos a gente pouco sabe além da própria fome, em parte porque não podia, nem posso ou podemos, prever o futuro – é que embora parecesse tarde, era ainda cedo.’ Não é de dilacerar a alma? Sim. Todos os sins para a produção literária do Caio: contos, romance, novelas, crônicas, roteiros de teatro, cartas e bilhetes”, conclui Vanessa.

Vanessa Souza é catarinense, mestra em psicanálise com linha de pesquisa em literatura. Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo. Trabalha com jornalismo literário, com ênfase nas mídias sociais. É especializada em moda e comunicação e é psicanalista clínica. Cursou um ano de doutorado em Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), até mudar-se para Belo Horizonte, em 2015. É autora do romance-vir-a-ser “Luísa”, com lançamento previsto para 2016.
Também produz o blog literário: www.vemcaluisa.blogspot.com.br