A imagem que se descortina para quem chega à Praia de Naufragados, no extremo-sul da Ilha de Santa Catarina, após percorrer cerca de 40 minutos por uma trilha acidentada, é de um recanto paradisíaco. Cercada por morros de mata fechada, com pouco mais de 400 metros de extensão, paira sobre a praia, inobstante sua distância de apenas 42 quilômetros do centro da capital, uma aura de beleza, mistério e pureza ancestral que emociona a todos que visitam o local pela primeira vez. O nome da praia remonta à mais de 250 anos, quando dois navios portugueses foram a pique na região, durante uma tempestade, vitimando quase 200 pessoas. Apenas 77 teriam se salvado, parte delas fixando residência na Ilha. A região é cheia de relíquias históricas, abrigando três canhões centenários, ainda em bom estado de conservação, o famoso Farol de Naufragados, um antigo casarão abandonado do Exército e, defronte, a Ilha de Araçatuba, onde se avista a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, de 1744. Esse pequeno pedaço do paraíso abriga pouco mais de uma dezena de moradores fixos e algumas pequenas casas simples, parte delas utilizadas apenas durante a temporada. Embora o local insinue uma paz quase irreal, paira sobre os moradores, no momento, um clima de apreensão muito latente. O motivo são notícias que chegam com o vento, trazidas por cada novo visitante, de que um grupo de empresários planeja edificar no local um mega-empreendimento hoteleiro. “Todo mundo que chega comenta isso, que o Marcondes (Fernando Marcondes de Mattos) quer limpar a área e fazer um resort aqui”, relata José Júlio Silveira, conhecido como Zé do Canto, de 72 anos, que mora num amplo rancho próximo ao morro do Farol. A assessoria do empresário nega que ele tenha projeto para a região. “Tudo que acontece é culpa do Marcondes”, ironiza o assessor, dono de uma das mais conceituadas empresas de comunicação corporativa da capital. Ex-jardineiro no casarão do Exército, seu Zé garante que reside no local há mais de 40 anos, sendo um dos quatro mais antigos moradores de Naufragados. Há 18 anos mora sozinho, após a separação da esposa. Uma vez por mês vai ao centro da capital para receber a aposentadoria, comprar pilhas para o radio e botar crédito no celular, seus companheiros inseparáveis. A visita eventual de veranistas, que se hospedam em seu rancho, é outra distração que ocupa os dias do aposentado. “Agora vem a pesca da tainha que também ajuda a distrair durante dois ou três meses”, comenta ele, que diz trabalhar com vigia nesse período. Normalmente, Naufragados costuma atrair muitos turistas na temporada. Nesta, contudo, a maioria acusa uma redução drástica de visitantes. “A gente acha até que tem alguma coisa por trás disso”, relata Fernando Bittencourt, dono de barcos que levam turistas ao local, a partir da Caieira da Barra do Sul, alternativa ao acesso por trilha. O barqueiro acredita que pode estar havendo um boicote à região como destino turístico, como parte de um plano de limpeza da área. Contribui para o clima de apreensão, uma onda de demolições perpetrada na região nos últimos dois anos. O diretor de Fiscalização Ambiental da Floram, Bruno Palha, garante que as demolições decorrem de ação no âmbito da Serra do Tabuleiro, área de preservação permanente, sob gestão estadual, da qual Naufragados faz parte. Nos últimos dois anos, 25 casas teriam sido demolidas na região. Palha nega, contudo, que exista um plano de limpeza da área e garante que existe até a possibilidade da Prefeitura obter a gestão da área, garantindo sua preservação integral. “Todos os moradores antigos serão respeitados”, assinalou. (Foto: A.Mendes/Divulgação/JC)
17 de março de 2010