Angelo Poletto Mendes/Redação JC
Às vésperas das eleições municipais deste domingo (06/10), que definirá os nomes dos dois candidatos que devem disputar o provável segundo turno à Prefeitura de Florianópolis, em 27/10, fica evidente mais uma vez, uma postura da mídia mainstream na cobertura do pleito, que já atravessa décadas, desde a primeira eleição presidencial após a redemocratização, em 1989.
Não bastasse evidenciar suas preferências políticas desde a fase de pré-candidaturas e, após a homologação dos candidatos – quando a legislação impõem algumas regras para impedir a exposição desproporcional – abusar das chicanas jornalísticas para ainda proporcionar vantagens aquele ungido pela classe dirigente que representa, a mídia corporativa não se constrange de trabalhar também para escolher o seu adversário, naturalmente aquele que presume com menos chances de vitória sobre o seu representante.
Para pontuar, um exemplo recente: nas eleições de 2022, era sabido que o adversário mais competitivo do atual governador Jorginho Mello, que poderia efetivamente derrotá-lo, era o ex-governador Carlos Moisés. Não só por estar governador, à época, mas pela penetração natural que ainda detinha no campo conservador, além da consequente simpatia que granjaria junto ao campo popular, por oferecer a contraposição a um candidato assumidamente bolsonarista, lhe proporcionando um robusto estofo eleitoral.
Ungido pela mídia na reta final, por ser considerado um adversário mais frágil e com chances minúsculas de vitória, quem acabou indo para o segundo turno e para o previsível abate final foi o petista Décio Lima. A culpa pela derrota não pode ser atribuída, claro, apenas ao seu perfil individualizado, mas às características do eleitorado catarinense, de absoluto predomínio conservador, sob comando de castas há décadas, com dedicado suporte midiático.
À época, essa chance de impedir a ascensão do bolsonarismo-raiz à gestão estadual não pode ser sequer lamentada pelo campo popular ou mesmo de centro-esquerda porque, num cenário nacional conturbado, estava em jogo uma disputa muitíssimo mais importante, que culminou com a vitória do campo popular e do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo com a derrota certa de Lima, sua chegada ao segundo turno ajudou a alavancar importantes votos que poderiam fazer falta para derrotar a extrema-direita no âmbito nacional, num pleito eleitoral eivado de suspeitas de irregularidades.
Nas eleições de 2024, na capital, novamente é notória a atuação da mídia corporativa nesse sentido. Diante da possibilidade de não acontecer em primeiro turno a vitória do candidato à reeleição Topázio Neto – representante natural da classe dirigente e, por consequência, da mídia hegemônica – ela trabalha intensamente para definir o seu adversário, buscando um nome que acredita menos complicado de derrotar. Apesar da nominata extensa, com nove candidaturas, é sabido que apenas cinco tem efetivamente densidade eleitoral e, destas, apenas três, competem realmente à conquista da Prefeitura.
Salvo engano, brigam para disputar o segundo turno com o preferido da classe dirigente Topázio (líder nas pesquisas), apenas as candidaturas do ex-prefeito Dário Berger (PSDB) e do atual deputado estadual Marquito (PSol). Os outros dois detentores de boa densidade eleitoral, Pedrão (PP) e Lela (PT), tendem a correm por fora, e brigar pela quarta posição no pleito eleitoral, embora também tenham crescido na reta final. Seus desempenhos, no entanto, também são vitais para suas trajetórias e para a própria decretação do segundo turno. Depois, seus ‘passes’ tendem a ser disputados pelos dois remanescentes.
Dário é explicitamente reconhecido por expoentes do conservadorismo local como mais perigoso às pretensões do atual mandatário e da classe dirigente. Não por acaso tentaram empurrá-lo até o último minuto para a disputa na vizinha São José. Isso porque, embora atualmente milite ao centro e recentemente tenha flertado com o campo popular (em 2022, apoiou Lula), no tempo em que foi prefeito militava à direita e, portanto, também desfruta de penetração no eleitorado conservador, principal trunfo de Topázio. Num mata-mata, contaria naturalmente também com o apoio do eleitorado do campo popular para derrotar o atual prefeito.
Diante dessa realidade inexpugnável, a mídia trabalhou intensamente nas últimas semanas para enfraquecer a candidatura do ex-prefeito, seja plantando notas sorrateiras em colunas políticas, seja por extensos e ardilosos artigos e comentários maliciosos, tentando tirar a visibilidade de Dário. Por outro lado, com sutileza, poupa de críticas a candidatura Marquito, considerado pela mídia mainstream pretensamente menos complicado de derrotar por seu trânsito inteiramente no campo popular e aderência mínima junto à classe dirigente da cidade.
A meta, flagrante, é conseguir oferecer a Topázio um adversário que julgam de menor musculatura, que não consiga romper a casca do campo conservador, facilitando a vida do candidato à reeleição. Com perfil jovem, políticas mais centradas no meio-ambiente, e ainda uma longa carreira pela frente – uma ‘derrota honrosa’ em segundo turno não afetaria sua trajetória – Marquito se encaixa no perfil de adversário preferido pela classe dirigente da cidade e, por isso, vem sendo poupado de críticas mais contundentes pela mídia local.
Ex-prefeito por duas vezes, com um cabedal de obras importantes na cidade, e o mais temido como adversário, Dário pode conseguir romper essa escudo midiático e chegar ao segundo turno? Tem potencial para isso, mas se o estratagema midiático mais uma vez funcionar e a disputa couber a Marquito, a vitória de Topázio mesmo assim não pode ser dada como favas contadas. O feitiço ainda poderá se virar contra o feiticeiro, porque ao contrário de postulantes de eleições anteriores, Marquito tem patrimônio inquestionável: juventude, carisma político e, principalmente, voto.
Não por acaso, Marquito foi o vereador mais votado nas eleições de 2020 e, em 2022, tornou-se o primeiro deputado estadual da história do PSol. Claro que a possibilidade de derrotar o ‘sistema’ será uma parada indigesta, porque além da dificuldade natural de angariar votos necessários entre os demais derrotados – exceto Lela e o PT, que devem apoiá-lo naturalmente – Marquito conhecerá no segundo turno a verdadeira face da mídia corporativa, que não será mais a desse gentil cordeirinho que exibiu até agora e trabalhará incessantemente para desconstruir sua candidatura até o embate final.
FOTO-LEGENDA
Da esquerda para a direita, os candidatos Topázio, Portanova, Marquito, Lela, Dário e Pedrão. Entre eles, ao centro, os três jornalistas da NSC TV condutores do debate.
(Foto cedida: Lucas Amorelli/Diário Catarinense/Divulgação/JC)
OBS: clique na imagem para vê-la em tamanho ampliado