Fim de ano é sempre a mesma coisa. Inocularam em nossas veias uma espécie de esperança “in vitro”, capaz de fazer germinar os sentimentos mais prósperos das mentes mais perversas. De fato, isso não é ruim. Abaixa a temperatura, assenta as variações, acalma os ânimos. É como a bonança que sucede as tempestades. Comemos, brindamos, amamos e rezamos. O ser humano é beneficiado por um indulto que o saneia de todos os males, dores e dívidas. O resto é festa, espumante e fogos de artifício. Mas será que isso é certo? Será que vale a pena? Ainda não é possível comprar a felicidade no cartão de crédito, pagando-a suavemente em leves prestações mensais. Ainda não é possível fatiar o amor e distribuí-lo aos muitos amigos-ocultos. Jamais vamos abrir uma caixa colorida adornada por um belo laço de fita e encontrar saúde ou paz dentro dela. O profissionalismo tornou-se o novo “pega-varetas” dos presentes: ninguém quer ganhar apenas isso. E a ética parece ter virado um tipo de churrasco: seria bom ter todo dia, mas só é possível de vez em quanto. Daí, quanto tempo perdemos mergulhados em esperanças? Na monumental obra do escritor sul-africano, naturalizado britânico, J. R. R. Tolkien, do qual sou fã incondicional, há uma passagem emblemática sobre essa tal esperança. Em “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, o sábio mago Gandalf ouve a sensível questão apontada pelo pequeno hobbit Peregrin Tûk, o Pippin, diante dos Campos de Pelennor, no momento em que a grande guerra de seu tempo está para começar: “Não quero estar em uma batalha, mas esperar às vésperas de uma da qual não possa escapar é bem pior. Existe alguma esperança, Gandalf?” E o mago branco responde sem pestanejar, em sua sabedoria de séculos, e com um leve e sereno sorriso: “Nunca houve muita esperança. Apenas a esperança dos tolos.” E eles vencem essa guerra. Talvez, sejamos, cada um a seu modo, um exemplar dos tolos esperançosos de Tolkien. É melhor que seja assim. No entanto, há que se ter em mente todo esse sentimento de expectativa fundado em orientação clara, ainda que intangível. Por óbvio, também há sonhos, há fé e há desejos que vão muito além do alcance das nossas mãos. Mas isso não é esperança. Isso é sonho, fé e desejo. Esperança é uma expectativa, é outra coisa bem diferente, apesar da insistência em classifica-la dentre as três virtudes teologais. A esperança genuína não está no Céu, no Purgatório ou no Inferno. Por razão de existência, ela é passível de observação e melhor: de realização. Provavelmente, muitos hão de classificar-me como o mais solene e retumbante pessimista. Não sou, acreditem! Eu creio na existência e no poder dessa esperança “in vitro” que nos fecunda a cada fim de ano. Mas não escondo minha apreensão por esses sentimentos fabricados. Prefiro as emoções genuínas e instintivas. E para estas, não há tempo ou época: elas podem ser sentidas em qualquer dia, seja ele hoje, amanhã ou nos vindouros do ano novo. É por isso meu desejo absoluto de que tenhamos um 2012 próspero em esperanças razoáveis e factíveis, mesmo que tolas. Não nos fiemos apenas em sendas. Façamos dele um ano bom e real. É assim que crescemos e vencemos nossas batalhas diárias. Feliz 2012! (Autor: Helder Caldeira – Escritor, Jornalista Político, Palestrante e Conferencista) www.heldercaldeira.com.br – helder@heldercaldeira.com.br
27 de dezembro de 2011